Texto de Rafael Pedreira e Mayara Araújo
Publicado em 25 de novembro de 2021
De modo geral, a cidade de Salvador foi “marcada pela prática das intervenções urbanas pontuais e fragmentadas" (CARVALHO, 2018, p. 40), experiências que ficaram conhecidas como “urbanismo demolidor”, sem a preocupação de se pensar um planejamento urbano de fato.
Nas últimas décadas, particularmente quando se considera os Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de 2008 e o 2016 (em vigência), essas perspectivas as intervenções urbanas pontuais e fragmentadas, por vezes ou quase sempre pautadas neste molde do “urbanismo demolidor” tem, de certo modo, se refletido no principal instrumento do planejamento urbano que orienta a produção do espaço na cidade de Salvador. Os últimos PDDUs além de trazerem o forte viés ideológico do capital imobiliário, ampliando a segregação social ou apenas mitigando-as, têm sido objeto de ações judiciais que questionam sua legitimidade, especialmente quanto à participação popular, considerada como inexistente ou insuficiente (COELHO; GURGEL, 2021).
Nesse contexto, no último ano, moradores do bairro de Mussurunga veem questionando a implantação de um empreendimento imobiliário que irá construir um condomínio de edifícios com capacidade de ocupação de 5.000 unidades habitacionais. Todavia, segundo relato de moradores do bairro, extraído de Ramos e Leal (2021) veiculado no Portal Bahia Notícias, o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) subdimensiona tanto os impactos socioambientais que este empreendimento trará para Mussurunga, como aqueles relacionados ao incremento populacional, que será de algo em torno de 50%, se considerada a população atual.
A Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador (SEDUR), na figura do secretário da pasta João Xavier, acredita que o “[...] empreendimento é bom para a cidade, são quase cinco mil unidades, onde vai gerar renda e emprego, principalmente para a comunidade”, por isso a SEDUR está seguindo os trâmites normais para aprová-lo.
Diante do exposto, e considerando ainda diversas situações que já foram inclusive apontadas aqui no observaSSA - Projeto de Lei nº. 305 que estabelece o Plano Integrado de Concessões de Parcerias do Salvador; a transferência do Terminal Rodoviário da atual área do Iguatemi para o bairro de Águas Claras, sem consulta pública e desconhecendo estudos técnicos quanto a viabilidade; e os 343 pontos de iluminação em LED presentes no Parque dos Ventos, no bairro da Boca do Rio, que apesar de não funcionar durante toda a noite, permanecem acesos até de manhã - além de tantas outras, é possível compreender como a produção da cidade, nesse contexto de políticas urbanas neoliberais, segue respondendo às perspectivas do processo da produção capitalista que se refletem na (re)produção do espaço. E que, como pontua Carlos 2020, acaba por arrastar a questão urbana para sucessivas crises, gerando conflitos sociais, por vezes minimizados pela justificativa do aquecimento da economia, com a geração de renda e emprego.
Além do anteriormente mencionado, outra crítica ao PDDU de Salvador se relaciona a definição dos seus instrumentos urbanísticos, como por exemplo o Coeficiente de Aproveitamento (CA), que segundo defendem alguns especialistas, cada bairro deveria ter mapeada a capacidade de suporte de sua infraestrutura. Assim sendo, os coeficientes de aproveitamento utilizados em cada bairro estariam relacionados à infraestrutura existente no local, e teríamos uma referência para calcular a contrapartida ideal no alcance da infraestrutura necessária, o que evitaria problemas como o que está sendo enfrentado pelos moradores de Mussurunga.
Por exemplo, caso o empreendimento seja de prédios verticais com até cinco pavimentos, com quatro unidades habitacionais por piso, teremos 20 unidades por prédio. Considerando o número total de 5.000 unidades habitacionais para o condomínio em questão, é possível contabilizar o número de 250 torres, distribuídas em uma área localizada entre a Avenida 29 de Março e a Rua Euríco da Costa Coutinho, no bairro de Mussurunga. Um empreendimento desta magnitude, certamente requer contrapartidas para os moradores do bairro, já que trará muitos impactos para seu cotidiano. Assim sendo, os moradores sabiamente estão pleiteando que as contrapartidas sejam construção de escolas e de unidades de saúde, base para segurança pública, além da reestruturação (no que tange ao alargamento das vias, drenagens, renovação asfáltica) das ruas do bairro.
Nesse sentido, caso o PDDU fosse construído objetivando reduzir desigualdades e atento às questões de regulação do uso e da ocupação do solo urbano, talvez esse conflito se resolvesse ainda no processo de licenciamento do empreendimento, sem a necessidade de todo esse desgaste social.
REFERÊNCIAS:
CARLOS, Ana Fani Alessandri. Henri Lefebvre: o espaço, a cidade e o “direto à cidade”. Direito Práxis, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 349-369, 10 fev. 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rdp/a/3cBsV3Vx7Yvw9SqvcqyVrbc/?format=html>. Acesso em: 10 jul. 2021.
CARVALHO, Pedro Henrique Vale. Remover e reassentar: permanências deslocamentos promovidos pelo PAC-urbanização de assentamentos precários em Fortaleza-Ce. In Urbfavelas Salvador-Ba-Brasil. Seminário Nacional sobre Urbanização de Favelas, 3., 2018. Anais… Salvador: Urb Favelas, 2018. p. 1-21. Disponível em: <http://www.sisgeenco.com.br/sistema/urbfavelas/anais2018a/ARQUIVOS/GT1-315-112-20180923234233.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2021.
COELHO, Pedro Andrade; GURGEL, Victor de Assis. O PDDU de salvador é uma ideologia? Brazilian Journal Of Development, Curitiba, v. 7, n. 5, p. 44854-44868, 03 mai. 2021. Mensal. Disponível em: <https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/29331>. Acesso em: 20 jul. 2021.
RAMOS, Anderson; LEAL, Mari. Sedur estuda contrapartida para condomínio com 5 mil unidades em Mussurunga. Bahia Notícias, Salvador, 28 out. 2021. Disponível em: <https://www.bahianoticias.com.br/noticia/263222-sedur-estuda-contrapartida-para-condominio-com-5-mil-unidades-em-mussurunga.html>. Acesso em: 24 nov. 2021.
SALVADOR. Lei Municipal n° 9.069 de 2016. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Anexo 3, Mapa 08. Áreas propostas para Operação Urbana. Salvador, 2016.
HAUENSCHILD, Carl von. O novo PDDU não é bom, pois não atende o grande objetivo de um plano diretor que é reduzir as desigualdades no município. Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia, Notícias. Disponível em: <https://www.cauba.gov.br/o-novo-pddu-nao-e-bom-pois-nao-atende-o-grande-objetivo-de-um-plano-diretor-que-e-reduzir-as-desigualdades-no-municipio-critica-o-arquiteto-carl-von-hauenschild/>. Acesso em: 24 nov. 2021.