Texto de Rafael Pedreira
Publicado em 27 de outubro de 2021
Historicamente a gestão da cidade concentrou esforços governamentais em setores tidos como prioritários, como por exemplo, inicialmente, nas indústrias de bens de produção e, posteriormente, nas indústrias de bens de consumo para as “elites” econômicas (HUNGARO, 2016). O acesso à infraestrutura urbana e, consequentemente, a negação do direito à cidade a uma parcela significativa da população, é fruto de uma lógica clientelista de concessão de privilégios aos setores industriais e às classes sociais abastadas.
O clientelismo em questão é reforçado pelo Projeto de Lei nº. 305 encaminhado pela Prefeitura Municipal de Salvador em 15 de setembro de 2021, por meio da mensagem executiva nº 19/2021, à presidência da Câmara Municipal de Salvador. O referido documento apresenta o PL nº. 305, que estabelece o Plano Integrado de Concessões de Parcerias do Salvador – PICS, e altera a Área de Proteção Rigorosa – APR da Área de Proteção de Recursos Naturais – APRN do rio Jaguaribe. O poder executivo municipal tenta convencer os(as) vereadores(as) e a população de Salvador, de que, a gestão dos serviços públicos deva ser terceirizada e sua execução transferida à iniciativa privada, sob a alegação de que o PL atende ao interesse público, e que, as concessões pretendidas tornarão os serviços públicos mais “eficientes”, de melhor “qualidade” e desonerarão a estrutura pública de serviços e custeios da máquina administrativa – Ora, serviços públicos não devem ser geridos pelo poder público?
A mandata coletiva “Pretas por Salvador” acredita que “o nome é Plano de Concessões, mas na verdade, é um Projeto de Lei de privatização, de entrega de serviços fundamentais e de obrigação do Estado” e conclui dizendo que “esse Projeto não é apenas inconstitucional, mas também ilegal, fere a Constituição Federal e Lei Orgânica do Município”.
Esse PL é proposto em uma conjuntura política de forte defesa ao Estado mínimo e ataques ao serviço público, momento no qual uma onda de decretos de desafetações de bens públicos para fins de alienação vem ocorrendo em todas as esferas de governo (municipal, estadual e federal). Isso se dá, sob as mais diversas justificativas, mas sempre sustentado por ações enviesadas pela lógica de uma economia urbana neoliberal, etno-classista e patriarcal.
Para a vereadora Maria Mariguella o PL em questão está alinhado com o Plano Econômico Nacional, ainda que, o prefeito Bruno Reis tente criar uma “distância” entre sua imagem e a do Presidente da República. A petista concluiu afirmando que, “a verdade é que no âmbito da economia, esses projetos estão mais próximos do que a gente pode imaginar. Eles recorrem a uma falsa ilusão de que estão trazendo ‘eficiência de gestão’, articulada com a ‘captação de investimento’, mas no fundo é um projeto que incide na ausência de direitos e falta de justiça social em Salvador”.
A legislação proposta começou a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal de Salvado no dia 25 de outubro de 2021, ironicamente, no dia em que se celebra a Democracia no Brasil, no entanto o PL é exemplo de não democracia participativa, considerando que, o mesmo pretende possibilitar à gestão municipal autorização para fazer concessões generalizadas de serviços públicos essenciais.
Para a Vereadora Marta Rodrigues, “a ausência do controle social, os critérios dos serviços públicos e os dados que nos passam são estratégicos, não são claros e precisos”. A falta de critérios, os quais vereadora se refere, colocará em risco o acesso da população socialmente vulnerável a serviços públicos e funções sociais da cidade, como por exemplo, iluminação pública, planos inclinados, cemitérios, entre outros, que serão condicionados a um modelo de negócio capitalista.
Um exemplo recente de que as concessões dos serviços públicos não proporcionam melhor eficiência e não melhoram a qualidade dos serviços ofertados, ao contrário do que defende o PL 305, é a Estação da Lapa. Entregue ao Consórcio Nova Lapa, a Estação enfrenta problemas sérios de acessibilidade, considerando que, há mais de quinze dias todo o sistema de escadas rolantes da estação não funciona, e até o momento não tem previsão para o conserto. Outra polêmica envolvendo a gestão do Consórcio Nova Lapa é a negociação nebulosa envolvendo o Consórcio - que pretende construir mais um Shopping Center na região - e a prefeitura de Salvador, juntos proporcionam a desmobilização e destruição de dezenas de casas na ZEIS do Tororó.
Salvador não está à venda!
REFERÊNCIAS:
FRANÇA, Lucas. Em realização de sua primeira audiência pública, Pretas por Salvador debatem o Projeto de Lei (PL) 305/2021. Pretas por Salvador, Salvador, 12 de outubro de 2021. Disponível em: https://pretasporsalvador.com.br/1217/em-realizacao-de-sua-primeira-audiencia-publica-pretas-por-salvador-debatem-o-projeto-de-lei-pl-305-2021. Acesso em: 26 out. 2021.
HUNGARO, Luis Alberto. Parceria Público-Privada municipal e a concretição de funções sociais da cidade: habitação, saneamento básico e mobilidade urbana. 177f. Dissertação (Mestrado e Direito do Estado) - Programa de Pós-Graduação em Direito - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Curitiba, 2016. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/45458/R%20-%20D%20-%20LUIS%20ALBERTO%20HUNGARO.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 26 out. 2021.
METRO1. Prefeitura defende projeto de concessões em Salvador e diz que vai aumentar "qualidade" e reduzir custos. Metro1, Cidade. Salvador, 22 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.metro1.com.br/noticias/cidade/114027,prefeitura-defende-projeto-de-concessoes-em-salvador-e-diz-que-vai-aumentar-qualidade-e-reduzir-custos. Acesso em: 26 out. 2021.