Texto de Rafael Pedreira e Mayara Araújo
Publicado em 17 de novembro de 2021
Em meio ao ávido processo de privatizações dos espaços públicos nas cidades brasileiras, com o argumento de desoneração das despesas públicas e de melhor eficiência na gestão dos bens públicos, Salvador aprovou, no último dia 08 de novembro de 2021, o Projeto de Lei n° 305 (PL 305), que estabelece o Plano Integrado de Concessões e Parcerias do Salvador (PICS), que, entre outros, prevê a concessão da gestão do serviço de iluminação pública da cidade para empresas privadas.
Esse processo encontra sustentação nos discursos que ecoam quanto a necessidade de transformações urbanas ancoradas no conceito das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s). Essas sendo vistas como novas operadoras dos processos urbanos que cruzam tecnologia e cidade, um outro “produto” do neoliberalismo urbano – as Smart Cities ou cidades inteligentes.
Nesse sentido, ao contrário dos discursos, a tentativa de transformar as áreas urbanas em cidades inteligentes, a partir das políticas de privatização dos espaços públicos, pela lógica competitiva e neoliberal, por exemplo, apenas ampliam as desigualdades socioespaciais e torna a segregação das áreas periféricas ainda mais acentuada nos grandes centros urbanos, caso de Salvador e sua região metropolitana.
Seguindo essa lógica, no ano de 2020, Salvador inaugurou na orla do bairro da Boca do Rio um parque público, o Parque dos Ventos cercado e com controle de acesso, administrado pela Secretaria de Sustentabilidade e Resiliência de Salvador (SECIS). O parque conta com a presença permanente da Guarda Municipal de Salvador, o monitoramento por câmeras 24 horas e com 343 pontos de iluminação em LED, que vale frisar, apesar de não funcionar durante toda a noite, permanecem acesas até de manhã. Acontece que esse parque não tem nenhuma relação com a comunidade local e apresenta-se como uma intervenção pontual em meio à trechos inteiros da orla atlântica subutilizada e com péssima iluminação pública.
Além disso, estudos diversos que relacionam o planejamento urbano à segurança pública comprovam que a iluminação pública é um dos pontos a ser observado na busca por espaços públicos mais seguros. Todavia, no caso do Parque dos Ventos, ao que parece, a gestão pública pode estar pecando pelo excesso de iluminação e na não economicidade de seu uso, afinal, a utilização da capacidade total da iluminação em extensa área do parque cercada, no período em que o equipamento público não está em funcionamento contraria a narrativa da necessidade de diminuir os gastos públicos.
O que, inclusive, nos permite refletir e questionar se esse não seria um cenário construído pelo ente público que intencionalmente (ou não) nos transmite a impressão de a gestão dos bens sob sua tutela ocorrer com planejamento descuidado, sem controle ou, simplesmente, não ser eficiente. Possibilitando situações como a mencionada, que se por um lado contraria o interesse público, por outro fortalece as justificativas para a concessão desses mesmos bens. Se observarmos, por exemplo, a Estação Nova Lapa, sua administração está concedida às empresas, certo? Será que neste equipamento público, gerido por uma empresa privada, seria possível pensar que permanecesse completamente iluminado no período em que não está em funcionamento, já que se trata de um equipamento que permite o acesso a outros bairros do Centro Tradicional da cidade? A resposta é não, afinal o que visam é o lucro e não necessariamente o bem estar social coletivo, ou ela seguiria completamente iluminada.
Em um contexto de tantas narrativas em torno da necessidade de melhorar a eficiência na gestão dos gastos públicos, qual o sentido de o Parque dos Ventos oferecer tamanha quantidade de iluminação que certamente traz impactos financeiros para a cidade?
Além dos prejuízos para os cofres públicos, ainda traz outros vários impactos para a coletividade. Seja para o homem, ao causar, por exemplo, insônia, estresse e depressão, seja para manutenção das distintas espécies animais nos ecossistemas, já que pode atrapalhar seus fluxos migratórios ou ainda afetar seus ciclos alimentares e reprodutivos, especialmente, daqueles com bioluminescência - que emitem luz própria para camuflagem em relação ao seu predador ou para captura de suas presas ou para atrair os parceiros para reprodução.
REFERÊNCAS:
BORDÍGNON, Gabriel Barros. Smart Cities: Salvador e as novas faces da segregação. Outras Palavras, Cidades em transe. 19 out. 2010. Disponível em: <https://outraspalavras.net/cidadesemtranse/smart-cities-salvador-e-as-no.... Acesso em: 17 nov. 2021.
CORREIO 24 horas. Câmara de Salvador aprova plano municipal de concessões. Salvador, 08 nov. 2021. Disponível em: <https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/camara-de-salvador-aprova-plano-municipal-de-concessoes/>. Acesso em: 17 nov. 2021.
MORENO, Kirk. Em resgate histórico parque dos ventos ocupa espaço antes abandonado na orla de Salvador. Correio 24 horas, Estúdio Correio. Salvador, 28 jun. 2021. Disponível em: <https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/em-resgate-historico-parque-dos-ventos-ocupa-espaco-antes-abandonado-na-orla-de-salvador/>. Acesso em: 17 nov. 2021.
OZLI Online. O que é poluição luminosa: efeitos e impactos causados. São Paulo, 5 set. 2019. Disponível em: <https://ozli.online/o-que-e-poluicao-luminosa-efeitos-e-impactos-causados/>. Acesso em: 17 nov. 2021.