Alto do Cabrito

De acordo com os dados dos infográficos presentes neste site, em 2010, o bairro Alto do Cabrito contava com uma população total de 17.051 habitantes, a maior parte se autodeclarou parda (55,94%) e preta (31,32%), do sexo feminino  (52,23%) e se encontrava na faixa etária de 20 a 49 anos (51,56%). No que diz respeito aos domicílios, 3,47% dos responsáveis não eram alfabetizados, e apesar de 49,2% estar na faixa de 0 a 1 salário mínimo, a renda média dos responsáveis por domicílio no bairro era de R$ 842,00. Já com relação a infraestrutura ofertada, 99,54% dos domicílios contavam com coleta de lixo, 98,49% com abastecimento de água e 86,83% com esgotamento sanitário.

 

Histórico

Texto de Kayane Rocha (Barbara Rocha)* e Aline Maria Costa Barroso**
Publicado em 16 de maio de 2025

O bairro faz parte da área do Subúrbio Ferroviário e seus limites tangenciam os bairros do Lobato, a Oeste; de São João do Cabrito, a Noroeste; de Pirajá, a Nordeste; de Marechal Rondon, a Leste; e de Campinas de Pirajá a Sudeste. 

No Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (2016), o Alto do Cabrito faz parte da ZEIS 41.

De acordo com Fonseca e Silva (1992), a constituição da área do Subúrbio Ferroviário foi um dos impactos da revolução industrial, que repercutiu no território através da instalação de fábricas, da construção de ferrovias2 e de equipamentos de apoio à ferrovia nas imediações da mesma. Outro destaque na história da conformação do espaço do Subúrbio Ferroviário é a construção da Avenida Afrânio Peixoto, mais conhecida como Avenida Suburbana, inaugurada em 1970 (FGM, 2022).

O nome atribuído ao bairro tem diferentes possibilidades de origem. Dórea (2006, p.29), relata que o topônimo do bairro “é remanescente dos tempos coloniais quando existiu ali um engenho de cana-de-açúcar com o mesmo nome”. Contudo, conta-se que “por lá vendiam muitos cabritos para os rituais das religiões de matriz africana e que, talvez também por isso, o bairro tenha ganhado seu nome” (Silva, S. 2023, p. 68). Há também registros de que o bairro era intitulado como “Getúlio Vargas”, por motivações patrióticas, por volta da década de 1950 (Soares, 2012). Em entrevista para o observaSSA, um antigo morador do bairro apresentou outra versão, que associa a um padre, chamado Ademar, que criava carneiros e cabritos nas proximidades da ladeira do Colégio do Padre3.

No bairro, encontra-se uma das nascentes do Rio Camarajipe, que foi represado com o objetivo de abastecer as indústrias que se instalaram na região em 1950,  o que representou um processo intenso de transformação da paisagem da área. Conhecido também como Dique do Cabrito, o corpo d’água tem uma área de 74.000m² e é cercado também pelos bairros de Marechal Rondon, Boa Vista de São Caetano, Lobato e Campinas de Pirajá (Santos et al 2010, p. 90). Constitui-se como “um ecossistema que possui uma particularidade: a sua contribuição para a formação de duas bacias independentes – do Rio Camarajipe e do Rio do Cobre” (Santos et al. 2010, p. 82). A construção de habitações informais ao redor do dique foi um processo marcante para a formação do bairro e, segundo Silva (2017), foram feitos aterros durante o processo de ocupação. De acordo com Santos apud Kustner e Santos (2006, p. 152), a ocupação das margens do dique se deu entre o final da década de 70 e se intensificou no início da década de 80, no contexto da luta por moradia popular que acontecia na capital.

Santos et al. (2010) relatam que os primeiros moradores do bairro viviam do cultivo de hortas e Soares apud Silva (2023) acrescenta que a produção das plantações destinava-se ao abastecimento da Feira de São Joaquim. Kustner e Santos (2006, p. 152) relatam a memória dos moradores sobre os usos diversos do dique:

Mulheres lavavam roupa lá e carregavam suas águas em latas sobre as cabeça e os homens pescavam. Também usavam o dique para passear de barca e nadar - o dique era um grande espaço de lazer, igual que um balneário.

Segundo entrevistas realizadas com moradores do bairro, atualmente o Dique do Cabrito se encontra abandonado pelo poder público, com pouca manutenção, fato que tem afastado os usos de lazer e a prática de esportes no espaço. Esse estado de poluição pode ser relacionado ao fato da ocupação dos bairros do entorno ter acontecido sem a infraestrutura de saneamento básico e de que as indústrias desse entorno destinavam os resíduos químicos para o corpo d’água, durante  décadas, “sem que os poderes públicos tomassem  medida  para  preservar  esse  importante  manancial” (Kustner e Santos, 2006, p.153). Queixas acerca do saneamento básico do bairro apareceram de forma expressiva nas entrevistas realizadas pela equipe do observaSSA.

Silva (2017, p. 20) descreveu como uma intervenção na área do dique, nomeada como Projeto de Saneamento Integrado do Dique de Campinas (PSIDC), causou um processo intenso de remoções no local. No processo de pesquisa, Silva (2017, p.24-27) observou diversas divergências na divulgação de dados e informações por parte dos agentes envolvidos e os relatos colhidos em entrevistas. Entre eles, o fato de que os moradores “consideravam que a intervenção se dava de modo autoritário, pois o projeto não fora discutido na região onde mais se concentram as casas”, os mesmos desempenharam processos de resistência e luta por moradia, criando-se uma Comissão de Moradores do Dique, composta por 35 moradores dos bairros de Marechal Rondon e Alto do Cabrito.

Laiane de Jesus, moradora do bairro entrevistada pelo observatório, relatou que o Dique do Cabrito se encontra abandonado pelo poder público há aproximadamente 3 anos, não sendo mais um espaço de lazer para à comunidade, com muita presença de muriçocas.

A moradora Laiane de Jesus afirmou que existem três espaços públicos de lazer: uma praça nova pequena, o mirante (ou morrinho) e um parquinho no dique. Além disso, existe uma forte relação dos moradores com o Parque São Bartolomeu, havendo inclusive uma caminhada educativa durante o mês de novembro, promovida pelo Instituto Steve Biko.

Quanto ao uso das edificações, observa-se a predominância do uso residencial, destacando a Estrada do Cabrito, com diversas edificações de uso misto, apresentando também número expressivo de serviços, principalmente escolas particulares de ensino infantil e equipamentos religiosos.

De acordo com o Mapeamento dos Terreiros de Salvador, foram catalogados 8 terreiros de candomblé e de umbanda, das nações Angola, Keto e Jêje.

As igrejas evangélicas também são destaque no bairro, sendo pontos de encontro de moradores e difusoras de trabalhos sociais. 

De acordo com entrevistas realizadas por nossa equipe, no bairro coexistem diversas associações de moradores que contemplam diferentes funções, sendo algumas registradas no processo de pesquisa: Associação de Moradores do Alto do Cabrito e Adjacências (AMACA), Associação Cultural  Esportiva e Lazer do Alto do Cabrito (ACELACAD), Associação Organizacional do Subúrbio Ferroviário, Conselho Representativo Dos Moradores do Alto do Cabrito (CORMAC) e um núcleo do Fórum Social de Direitos Humanos e Cidadania. 

O bairro também foi palco de importantes batalhas no processo da independência da Bahia e a consolidação da Independência do Brasil. Silva (2023, p. 96) observa que “os últimos (portugueses) foram expulsos em 1823, após sangrentas batalhas na região de Campinas de Pirajá, Alto do Cabrito, Boa Vista do Lobato e Marechal Rondon”.

Um importante evento para o cenário cultural do bairro é o Cabrito Berra – Festival de Arte do Alto do Cabrito, que já foi realizado em quatro edições. O evento integra diversas linguagens artísticas em espaços de referência em cultura para o bairro (Agência de Notícias das Favelas, 2024).

Laiane de Jesus ressaltou o protagonismo dos moradores na produção dos eventos culturais do bairro, destacando a Ressaca das Cabritas como um evento que convida muitas pessoas para o local, sendo uma festa temática pós-carnaval. 

Silva, S. (2023, p. 97) constata que o bairro ganhou protagonismo na produção de arte e cultura, destacando o Sarau do Cabrito e o Teatro E ao Quadrado como importantes referências.

O Alto do Cabrito transformou-se em um polo de formação de artistas, intelectuais, educadoras e educadores que hoje são o diferencial, tanto para as suas famílias e as novas gerações da comunidade, como para a expressão artística de toda cidade, já que alguns atores que hoje fazem carreira no teatro, cinema e TV saíram desse berço cultural e formativo que é o Alto do Cabrito.

O equipamento cultural Afroteca Ori Aiê também é uma referência para o bairro, oferecendo diferentes serviços de forma gratuita para a população 

De acordo com o portal da Secretaria de Educação (SALVADOR, 2025g), constam 3 escolas municipais registradas no bairro, mas segundo os moradores entrevistados, a educação pública é precária, em relação à infraestrutura dos equipamentos e à qualidade do serviço. A moradora Laiane de Jesus relatou a falta de atenção do poder público à educação no bairro, refletidas em apenas 2 escolas municipais, de nível fundamental, e 1 escola estadual, de nível médio ofertado apenas no turno da noite. Por decorrência de tal deficiência, os jovens do bairro (inclusive a própria entrevistada) precisam fazer grandes deslocamentos até colégios estaduais localizados na região central da cidade.

No bairro, consta uma Unidade de Saúde da Família (USF), na Rua Gertrudes. E, apesar de Alto do Cabrito ter sido relacionado como parte da área de abrangência do Distrito de saúde do Subúrbio ferroviário, a referida USF não se encontra listada entre as unidades de saúde do distrito de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SALVADOR, 2024). De acordo com Laiane de Jesus, a Unidade de Saúde do bairro apresenta grandes filas para atendimento e a ausência de uma unidade para casos de emergência é sentida pelos moradores.

Segundo pesquisas realizadas em 2018 pela equipe do observaSSA, foram levantadas 15 linhas de ônibus que passavam pelo bairro. Nos relatos das entrevistas realizadas em 2025, relata-se que antes da pandemia havia uma maior oferta de ônibus, mas atualmente só são ofertadas duas linhas passantes no bairro, Lapa e Estação Pirajá. 

Durante a visita realizada em março de 2025, foi observado pelos pesquisadores que o bairro conta com vias estreitas, dificultando a passagem de dois ônibus simultaneamente e, por conta disso, o trânsito é comprometido em diversos pontos do trajeto. Além disso, foi notada a falta de abrigos de ônibus e sinalização nos pontos de parada.

Quanto à citação ao bairro em recortes e manchetes de jornais, observou-se: a recorrência de matérias que apresentam eventos culturais organizados no bairro; um grande volume de manchetes relacionadas à violência; sucessivas reportagens sobre reivindicações por infraestrutura no local, além do registro de implantação de algumas infraestruturas e equipamentos públicos no entorno. 

1 ZEIS é a sigla para Zonas Especiais de Interesse Social, as do tipo 4 são definidas como assentamentos precários, ocupados por população de baixa renda, inseridos em APA ou APRN (SALVADOR, 2016, p. 35).

2 O Trem do Subúrbio foi, durante muitas décadas, o principal meio de locomoção dos moradores destas áreas, segundo Argolo e França (1908, p. 23) apontam que o referido trem estava em operação desde 1860 e “estava entrelaçado com uma série de modos de vida que tinham essa infraestrutura de ferro e sua aliança com o mar como suporte para a manutenção da vida”, fazendo parte de sua identidade cultural (Silva A., 2023, p. 11). Rocha (2011, p. 11-78) informa que a ferrovia foi construída pela companhia inglesa Bahia And San Francisco Railway, garantindo também a responsabilidade pela operação do transporte. Localizando-se “entre o mar da Baía de Todos os Santos e os bairros que se estendem da faixa lindeira à via permanente até as encostas da falha geológica de Salvador”. A responsabilidade pela operação do sistema foi delegada a diversos agentes ao longo do tempo, inclusive tendo uma parte do sistema desativada a partir de 1996, após um processo de privatização chamado Plano Nacional de Desestatização (PND), restringindo-o ao circuito Calçada-Paripe. Silva, A. (2023, p. 15) registrou que o processo de desativação do sistema teve seu anúncio oficial em 2014 e em 2021 a operação foi encerrada, sendo um processo de conflito intenso entre os usuários e o poder público. De acordo com CTB apud Silva (2023, p. 11), mais de 10 mil pessoas utilizavam o trem diariamente, em sua maior parte “pescadoras/es, marisqueiras/os, ambulantes, integrantes de terreiros de candomblé e religiões de matriz africana, trabalhadoras/es rurais, catadoras/es de recicláveis e artistas”.

3 Denominação popular dada a Escola Municipal Padre Norberto.

 

REFERÊNCIAS
 

 

ARGOLLO, Miguel; FRANÇA, Justino. Memória: Sobre as estradas de Ferro do Estado da Bahia. Reis & Comp., 1908.
COMUNIDADE discute as obras no Dique do Cabrito. Correio da Bahia, Salvador, Aqui Salvador, p. 5. Disponível em: http://biblioteca.fmlf.salvador.ba.gov.br/phl82/pdf/Hemeroteca/Bairros/A.... Acesso em: 19 dez. 2024.
DÓREA, Luiz. Histórias de Salvador nos nomes das suas ruas. Salvador: EDUFBA, 2006.
FGM. Monumentos. Disponível em: https://fgm.salvador.ba.gov.br/wp-content/uploads/2022/07/marcodeinaugur.... Acesso em: 04 fev. 2025.
FONSECA, Antonio; SILVA, Silvio. A produção do subúrbio ferroviário de Salvador: os exemplos de Paripe e Periperi. 1992. Disponível em: https://atelie5faufba2017.wordpress.com/wp-content/uploads/2017/06/perif.... Acesso em: 3 dez. 2024.
KUSTNER, Rocío; SANTOS, Ademir. Participação cidadã em torno do Dique de Campinas, SSA/BA?*. Cadernos Metrópole, 15, pp. 145-160, 1° sem. 2006.
PATROCÍNIO, Adriana. Alto do Cabrito: Carências básicas e uma bela vista. Tribuna da Bahia, Salvador, Cidade, p. 11, 11 jan. 2024. Disponível em: http://biblioteca.fmlf.salvador.ba.gov.br/phl82/pdf/Hemeroteca/Bairros/A.... Acesso em: 19 dez. 2024.
ROCHA, P. Avaliação multicritério de alternativas de integração para melhoria da eficiência do sistema de trens do subúrbio da cidade do Salvador. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
SALVADOR. Secretaria Municipal do Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente. Relatório anual. 2002. Disponível em: http://biblioteca.fmlf.salvador.ba.gov.br/phl82/pdf/livros/ADM-30-02.pdf. Acesso em: 3 dez. 2024.
SALVADOR. LEI Nº 9069, de 2016. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador - PDDU 2016 e dá outras providências. Salvador, BA, 2016.
SALVADOR. Secretaria Municipal de Saúde. Distritos Sanitários. 2024. Disponível em: http://www.saude.salvador.ba.gov.br/distritos-sanitarios/#1463075529039-.... Acesso em: 18 nov. 2024.
SALVADOR. Secretaria Municipal da Educação. Escolas. 2025. Disponível em: http://educacao3.salvador.ba.gov.br/escolas/. Acesso em: 6 jan. 2025.
SANTOS, Elisabete; et. al. (orgs). O caminho das águas em Salvador: bacias hidrográficas, bairros e fontes. Salvador: CIAGS/UFBA; SEMA, Bahia. 2010.
SANTOS, Gil. Tecnologia para proteger o cidadão. Correio, Salvador, Mais, p. 14, 27 jun. 2024.
SILVA, Atailon. Infraestrutura em dissenso: A ferrovia  e o monotrilho na produção/expropriação da vida no subúrbio ferroviário de Salvador/BA. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2023.
SILVA, Flávia. Transformações urbanas no bairro de Marechal Rondon, Salvador - “Vizinho é o parente mais próximo?”. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.
SILVA, Sérgio. Os coletivos culturais, seus saraus periféricos e suas pedagogias de quebrada nas comunidades do Alto do Cabrito e Sussuarana, em Salvador/BA. Teses (Doutorado em Educação). Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2023.
SOARES, Ilma. Alto do Cabrito. Minha Rua Meu bairro. 21 mar. 2012. Disponível em: http://minharuameubairro.blogspot.com/2012/03/alto-do-cabrito.html. Acesso em: 11 fev. 2025.
TERREIROS. Mapeamento dos Terreiros de Salvador. Disponível em: http://terreiros.ceao.ufba.br/terreiro/config. Acesso em: 06 dez. 2024.

 

 

SOBRE AS AUTORAS:

* Kayane Rocha é graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura da da UFBA, bolsista Permanecer do observaSSA com financiamento da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil.
 

**Aline Maria Costa Barroso é Doutora em Urbanismo e Ordenação do Territorio pela Universidad Politécnica de Madrid, e Mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bacharela em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente é professora permanente do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFBA) e professora dos cursos de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA).


 

População

Domicílios

Áreas Verdes

Associações e Coletivos

Nome: AMACA - Associação dos Moradores do Alto do Cabrito e Adjacências

EndereçoPraça Maroli Lopes, 54 - Boa Vista do Lobato, Salvador - BA, 40484-210

Contato: (71) 3027-5431

Página Facebook