observaSSA indica: Medida provisória, o filme

 Texto de Isabella Illana e Mayara Araújo

Publicado em 29 de abril de 2022

 

O observaSSA indica hoje o filme Medida Provisória, dirigido por Lázaro Ramos. Mas o que ele retrata? Sua sinopse diz: “[...] em um futuro próximo distópico no Brasil, um governo autoritário ordena que todos os cidadãos afrodescendentes se mudem para a África - criando caos, protestos e um movimento de resistência clandestino que inspira a nação”.

Todavia, ao assistirmos o filme, percebemos o quão abrangente e complexa são o impacto e percepção ali transmitidas, já que não se trata apenas de uma distopia, tampouco de uma história de “[...] homens brancos salvando mulheres de pele escura de homens de pele escura” (SPIVAK, 2010, p. 91), e sim, de uma história de pessoas negras que lutam por suas próprias causas. Afinal, queremos ser os responsáveis pelas nossas lutas, pelas nossas narrativas, sermos sujeitos e protagonistas das nossas próprias histórias. Tal como o filme nos entrega, atores negros como protagonistas de toda a história, apesar de existirem também atores brancos que tentam ajudar e fortalecer a luta, em favor da causa abordada. Aqui a importância das ajudas e contribuições na arte e na vida.

Percebemos também os detalhes: a ordem dos nomes dos atores que o protagonizaram, na introdução, primeiro aparecem os negros; o cuidado com a escolha da trilha sonora, as músicas sempre cantadas por negros, inclusive com a participação especial de Emicida; por fim, embora o filme destaque temas complexos e imprescindíveis - como política e raça, estruturantes na produção da cidade, por conseguinte, com impactos à vivência dos cidadãos - o filme também consegue trazer graciosidade e beleza.

Mesmo com todos esses aspectos que consideramos positivos, algumas questões nos inquietaram, pelo menos na sala de cinema visitada:

1. Estava esvaziada. Isso poderia sugerir também um esvaziamento da discussão social e política?

2. Havia uma minoria de público negro, e por quê? Elencamos algumas possibilidades: 

2.1. As pessoas negras não conhecem a própria história de ancestralidade afrodescendente?

2.2. A população negra é a mais atingida pelo analfabetismo cultural e político?

2.3. A população negra, majoritariamente vulnerável, precisa sobreviver e não teria tempo para perceber a importância dessas discussões?

2.4. E quando dispõem de tempo e conseguem perceber sua relevância, não conseguiram compreender sua profundidade, em decorrência de sua complexidade?

2.5. O filme teria sido feito para os pretos “intelectuais”? 

2.6. Ou o problema é a não aplicação da lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira"?

Parafraseando Nascimento (2018), quando não conhecemos nossa própria história, como vamos entender e fazer história? Essa história afro-brasileira que não foi escrita e não é a história conhecida¹. Enfim, nós negros temos a necessidade, assim como qualquer ser humano, de conhecer nosso passado, de saber o que é que veio antes: porque sou assim hoje? O que fui antes? Todo mundo tem que saber o antes e o depois, o devenir fica para história, afinal a história fala². E se a história “fala”, queremos ter a oportunidade de conhecer essas outras narrativas, ainda pouco (ou não) propagadas, mas que devem ser respeitadas.

 

¹ “[...] nós temos uma história basicamente negra, uma cultura basicamente negra, e é justamente essa história que não é escrita, que não foi escrita, e que a história não conhecida” (NASCIMENTO, 2018, p. 135).

² “Ele tem uma necessidade, como todo homem, de conhecer o passado, de saber o que é que veio, porque eu sou assim hoje, o que eu fui antes. Todo mundo tem que saber o antes e o depois, o devenir fica pela história, a história fala” (NASCIMENTO, 2018, p. 148).
 

 

Referências:

CUNHA JUNIOR, Henrique. Bairros negros: Epistemologia dos Currículos e práticas pedagógicas. Henrique. In: Anais do Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares, 2017. Anais eletrônicos… Campinas, Galóa, 2017. Disponível em:<https://proceedings.science/coloquio/papers/bairros-negros--epistemologia-dos-curriculos-e-praticas-pedagogica--?lang=pt-br>. Acesso em: 29 abr. 2022. 

NASCIMENTO, Maria Beatriz. Quilombola e intelectual: possibilidade nos dias de destruição. União dos Coletivos Pan-Africanistas (org). São Paulo: Filhos da África, 2018.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: UFMG, 2010. (Tradução Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira Feitosa).