Texto de Isabella Illana
Publicado em 03 de dezembro de 2021.
Lugar de mulher é onde ela quiser estar! Acredito veementemente nessa afirmação, porém gostaria que não existissem limitações para sua concretude. O que quero dizer é que as mulheres são as principais pessoas a serem afetadas pela ausência de segurança pública nas cidades. Com isso somos vítimas basilares da violência física, verbal, psicológica e sexual; os dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), no qual em 2020 registraram-se 105.671 denúncias de violência contra a mulher¹, constatam essa realidade.
Não estamos seguras, para podermos exercer o nosso direito à cidade. Direito esse que extrapola o direito de ir e vir, abrange o direito de reivindicarmos por melhorias infraestruturais, econômicas, políticas e sociais; mas, para isso precisamos organizar nossas lutas para darmos sentido à apropriação dos espaços da cidade (LEFEBVRE, 2001). Pois, a cidade é o local onde a ideologia patriarcal exterioriza seus preconceitos, por meio da construção de espaços públicos e privados que revelam os conflitos de gênero, como também os validam e os reproduzem (MERLI, 2018).
De fato, os indivíduos estão submetidos entre a liberdade ou a sujeição, em que Merli destaca “a liberdade civil como atributo masculino e a sujeição como atributo feminino” (2018, p. 30). O patriarcado atribui poder político à classe dominante (os homens), por meio de leis e normas que se manifestam nos espaços construídos na cidade. Em decorrência disso, necessitamos de políticas públicas que visem empoderamento, autonomia e segurança para as mulheres.
Mas, é preciso estarmos cientes que à ausência de segurança pública para as mulheres; não é uma situação ao acaso que atinge espontaneamente a população feminina, e sim uma ação intencional do patriarcado que tem os homens como dominantes e vencedores dos conflitos, sendo eles também os responsáveis pela determinação de como as mulheres poderão usufruir dos espaços públicos e privados (MERLI, 2018). Em suma, as cidades atualmente não são (e nunca foram) criadas por e para mulheres.
Entretanto, as mulheres lutam todos os dias contra o patriarcado, como por exemplo atuando profissionalmente, estudando, executando afazeres diários externos, enfim, ocupando a cidade. Em decorrência disso, elas precisam enfrentar longos percursos com a utilização do transporte coletivo, nos quais se deparam com inúmeros inconvenientes - para utilizar de eufemismo - os quais vão desde assédios sexuais no transporte coletivo, como também assaltos ou assédios verbais durante o percurso das suas residências aos seus locais de destino - trabalho, escola, faculdade, lazer. A rotina das mulheres é infinitamente mais nociva que a dos homens, uma vez que, não somos computadas e consideradas sujeitos, no sentido social.
Todavia, algumas pequenas atitudes que podem beneficiar a sociedade irão favorecer ainda mais as mulheres. Um desses exemplos é o projeto que a Prefeitura de Salvador está aplicando na cidade, focada no aumento da segurança pública dos pontos de ônibus. Nomeada de Operação Arcanjo Azul, a ação da Guarda Municipal irá dispor de 60 profissionais munidos com armamento adequado², divididos em 20 viaturas que efetuaram rondas em 30 pontos de ônibus. O critério para a escolha dos locais será a quantidade de passageiros e o índice de violência. Em razão de serem padrões flexíveis, ocorrerá uma rotatividade das rondas, as quais ocorrerão das 5h às 8h e das 17h às 20h.
Além dos guardas municipais, a Prefeitura também está implementando o programa Meu Ponto Iluminado³, que consiste na iluminação em LED inicialmente para 3,8 mil paradas de Salvador. O projeto, na prática, resume-se em dois postes com iluminação branca que serão inseridos nas laterais da estrutura de proteção dos pontos de ônibus, deixando o espaço mais iluminado e visível. De acordo com o atual prefeito Bruno Reis, o intuito do projeto, além da segurança, é também propiciar modernidade na iluminação pública.
Como dito anteriormente, todas as ações que beneficiam as cidades, beneficiam duplamente as mulheres. Pois teremos acessos a pontos de ônibus com profissionais da guarda municipal inibindo os assaltos e violências e mais iluminação deixando os espaços com um aspecto de maior “segurança”. Porém, temos consciência que este é o início do projeto e que ainda não consegue abranger todos os bairros de Salvador. Além do que, para a segurança pública tornar-se eficaz, é necessário abranger inúmeros fatores (educação, renda, raça, gênero, etc), sendo eles tão complexos que incluem a “cultura”, ou seja, necessitaria a exclusão do machismo que tem relação direta com inúmeros fatores desde aspectos estruturais à questões históricos; no qual recai duplamente sobre as mulheres, isto é, a “cultura do machismo" é responsável por tratá-las como insignificantes, propriedades ou subalternas aos homens e por isso estariam mais sucessíveis a agressões.
Então, como nós mulheres sabemos que a nossa luta está apenas começando; comemoramos pequenas conquistas, mas continuaremos a lutar pela independência e liberdade do corpo feminino. Daí surge, a importância inquestionável do Feminismo, que é o ato, movimento e crença da autonomia do corpo feminino e o encontro da mulher consigo mesma. Enfim, vamos juntas em busca do nosso direito à cidade.
REFERÊNCIAS
Correio Salvador. Guarda Municipal fará rondas nos pontos de ônibus de Salvador. Disponível em: <https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/guarda-municipal-fara-rond.... Acesso em: 02 dez. 2021.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. 5ª. Edição. [original 1968]
MERLI, Giovanna. Lugar de mulher é na cidade: desenho urbano para inclusão de gênero na cidade de Uberlândia. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2018.
TV Bahia. Guarda Municipal inicia operação para aumentar segurança em pontos de ônibus de Salvador. G1, Bahia, 17 set. de 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/09/17/guarda-municipal-inicia... Acesso em: 02 dez. 2021.
VILELA, Pedro. Denúncias de violência contra a mulher somam 105,6 mil em 2020. Agência Brasil, Brasília, 07 de mar. de 2021. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-03/govern.... Acesso em: 02 dez. 2021.
[¹] Agência Brasil. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-03/govern... >.
[²] A questão do armamento é complexa, visto que, muitos policiais agem de maneira opressora e agressiva para com à população. Além disso, a população demonstra certo receio com medo de possíveis confrontos armados entre a guarda municipal e os bandidos.
[³] Este programa é continuidade ao Iluminando Nosso Bairro, que consiste na instalação de pontos de LED nos bairros, ocorrendo a modernização da iluminação pública.