De acordo com os dados dos infográficos presentes neste site, em 2010, o bairro do Lobato contava com uma população total de 29.169 habitantes, maior parte se autodeclarou parda (58,20%) e preta (31,42%), do sexo feminino (53,04%) e se encontrava na faixa etária de 20 a 49 anos (51,09%). No que diz respeito aos domicílios, 8,05% dos responsáveis não eram alfabetizados, e apesar de 49,6% tinham o responsável com rendimento na faixa de 1 a 3 salários mínimos, a renda média dos responsáveis por domicílio no bairro era de R$ 802,00. Já com relação a infraestrutura ofertada, 96,83% dos domicílios contavam com coleta de lixo, 99,27% com abastecimento de água e 90,01% com esgotamento sanitário.
Histórico
Texto de João Paulo Gomes Ferreira Barbosa* e Mayara Mychella Sena Araújo**
Publicado em 19 de julho de 2023
O bairro do Lobato está localizado no Subúrbio Ferroviário de Salvador e é vizinho a Boa Vista de São Caetano, Capelinha, Santa Luzia, Campinas de Pirajá, Alto do Cabrito e São João do Cabrito. Uma parte de seu território está próxima da Península de Itapagipe e a outra da Península do Joanes. Sua extensão territorial é atravessada pelo trecho inicial da avenida Afrânio Peixoto, também conhecida como Suburbana. A origem de seu nome possui duas narrativas, tendo em vista que uma secnão anula a relevância ou veracidade da outra.
A primeira versão remonta ao intervalo dos séculos XVI e XIX e teria relação com um engenho de bois e cana de açúcar, mencionado na obra “Tratado Descritivo do Brasil em 1587”, de Gabriel Soares de Sousa1. Segundo o autor, o engenho correspondia ao atual bairro até a proximidade de Paripe, cujo proprietário era Vasco Rodrigues Lobato. Portanto, o nome do bairro faria referência ao dono das terras anteriores a delimitação do Lobato (DÓREA, 2006).
Veríssimo (1915) ao citar a obra “Tratado Descritivo do Brasil em 1587”, inclusive relata que a área onde se localiza o Lobato, àquela época, era ocupada por fazendas e engenhos. Portanto, é possível pressupor que a paisagem e o modo de vida de seus moradores estavam associados com a vivência rural, com destaque para agricultura, pesca, o uso da fauna e flora nativas, ainda presentes como fontes de recursos para sobrevivência.
Já a outra versão, estaria relacionada a uma homenagem prestada ao escritor e brasileiro Monteiro Lobato. Na década de 1930, ele esteve à frente de uma campanha em prol do movimento de busca ao petróleo no Brasil, para conscientizar o governo e a população da necessidade de explorá-lo (CARVALHO JR, 2012). Como consequência, ocorreu a descoberta do primeiro poço de petróleo na rua do Amparo, no bairro, motivo que teria dado origem ao seu nome associado ao do escritor (SANTOS et. al, 2010; ANDRADE; BRANDÃO, 2009).
Em 1939, foi descoberto o petróleo na rua do Amparo (SANTOS et. al, 2010), o que acarretou na atenção da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que iniciou uma operação de extração no bairro (MACHADO, 2003). A premissa de se encontrar petróleo trouxe a promessa de riquezas e desenvolvimento ao Lobato. Entretanto, cerca de 20 anos após essa descoberta, a operação começou a entrar em declínio, em função do surgimento de outros pontos de extração no estado e no país. Nesse sentido, o Lobato não obteve reais riquezas em função do petróleo, e ainda carecia de serviços públicos como saúde, segurança e educação. Atualmente, ainda existe um obelisco retangular com o brasão da república e o rosto do ex-presidente Getúlio Vargas (TOTTI, 2019) na rua do Amparo, e alguns metros adiante, uma miniatura de cavalo de extração, ambos objetos para lembrança da descoberta, ainda que contrastem com a paisagem desgastada e abandonada pelo poder público do bairro.
Ao longo do tempo, entre os séculos XVI e XVIII, Salvador continuou se expandindo, e diversas transações comerciais do país eram negociadas na cidade, que servia como polo econômico e portuário. (GONÇALVES, 2009) Por conseguinte, atraia as classes abastadas da elite europeia que iam construindo suas habitações e prédios comerciais em Salvador2. É nesse contexto que os bairros do Subúrbio Ferroviário surgem com a possibilidade de estabelecimento de casas de veraneio. Regis (2007), inclusive, cita essa área do Subúrbio como um ambiente bucólico3, atrativo para os interessados em um lugar menos “acelerado”, em comparação ao então centro de Salvador, nas proximidades dos bairros do Comércio e Centro Histórico.
Durante o século XIX, o Subúrbio Ferroviário de Salvador começou a ganhar novas características em função das demandas econômicas e sociais, nos âmbitos nacional e mundial. Uma delas ocorreu em 1860 com a inauguração da estrada de ferro que ligava Salvador ao rio São Francisco, a Bahia and San Francisco Railway Company. (ARAÚJO, 2009) Os latifundiários observaram a chegada dessa estrada de ferro com interesse, já que ela seria capaz de dinamizar o transporte de cargas. Além disso, esse momento foi marcado pelo crescimento populacional do Subúrbio Ferroviário. (FONSECA; SILVA, s.d.)
Ainda durante o século XIX, ocorreu o surgimento de fábricas no setor têxtil, metalúrgico e alimentício na Península de Itapagipe4, em áreas limítrofes ou parte do Subúrbio Ferroviário de Salvador. (VOLPINI, 2018) Essa característica resultou na classificação da Península como um distrito industrial, pela Prefeitura de Salvador em 1948. Esse movimento ainda coincidiu com o aumento da densidade demográfica da cidade, resultado dos fluxos migratórios oriundos do interior do estado.
Ao longo dos séculos, toda essa movimentação lentamente vai caracterizando o Lobato como um bairro residencial voltado inicialmente à classe trabalhadora, das fábricas instaladas nas margens da linha férrea e da Península de Itapagipe, e em seguida para população que atraída por melhores condições de vida, passa a habitar no bairro. É nesse contexto, final da década de 1940, que o Lobato, assim como a Península, passaram a ser marcados pela presença das casas de palafita, construídas sobre a linha da maré, em razão da carência de habitação. (CARVALHO, 2002)
O encarecimento de terras no antigo centro de Salvador promoveu o deslocamento da população de menor renda para áreas mais baratas e de menor custo de vida, (FONSECA; SILVA, s.d) como o Lobato e a Península de Itapagipe. Com o crescimento da cidade na direção do Subúrbio, proprietários fundiários fizeram mais loteamentos em função de obter maior renda. Ainda assim, uma parcela considerável da população alocou-se em ocupações espontâneas durante a década de 1940. É importante destacar que essa expansão promoveu o aumento de preços devido à crescente demanda por terra, o que empurrava a população de baixa renda às áreas cada vez mais distantes na cidade. (FONSECA; SILVA, s.d)
Segundo Oliveira (2007), outro elemento que favoreceu o aumento da população no Lobato foi a iniciativa do governo do estado da Bahia, através da Comissão Executiva do Plano de Recuperação dos Alagados (CEPRAL), em 1969, de recuperar a área dos Alagados, então marcada pela ocupação expressiva de palafitas5 na Península de Itapagipe. O Lobato foi afetado pelas dinâmicas ocorridas na Península devido à proximidade com o Uruguai e o Jardim Cruzeiro, que tiveram seus moradores realocados para o bairro. Para receber essas pessoas, ocorreu um processo de terraplanagem6 no Lobato, que também possuía uma porção de seu território alagada; e esta parece ter sido uma das poucas ações de planejamento do governo do estado, anterior a realocação, tendo em vista, a ausência de ruas pavimentadas e demais serviços e equipamentos de infraestrutura urbana (REGIS, 2007; CARVALHO, 2002)
Em 1970, foi inaugurada a avenida Afrânio Peixoto, também conhecida como Suburbana (REGIS, 2007; FONSECA; SILVA, s.d). A Suburbana foi pensada para conectar os bairros do Subúrbio Ferroviário, um projeto de ligação entre eles e o centro antigo7 da cidade do Salvador, estendendo-se do bairro da Calçada até Paripe. (FONSECA; SILVA, s.d) Sendo assim, contribuiu para o encarecimento das terras do Subúrbio e do Lobato adjacentes à avenida.
Segundo Regis (2007), nos anos 1980 continuaram sendo feitos loteamentos8 no Lobato, contudo, as ocupações espontâneas caracterizadas pelas casas de palafitas seguiam existindo. Em resposta a isso, existiram processos de terraplanagem feitos pelo governo do estado através do Plano Urbanístico de Alagados (CARVALHO, 2002)9 no entorno de toda a área do Lobato. Isso permitiu que as casas de palafitas logo fossem substituídas por casas de concreto. Esse Plano permitiu a criação dos conjuntos residenciais Joanes Leste e Joanes Centro-Oeste.
No início da década de 2000, o Lobato é descrito como um bairro com pouco investimento socioeconômico por parte do poder público. (CASTRO, 2002) O retrato ainda era de um bairro com presença de ruas não pavimentadas, além da carência de equipamentos urbanos destinados ao atendimento da saúde e lazer.
Entre os anos de 2020 e 2021, a Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) buscou atender algumas demandas do bairro através de medidas de requalificação da infraestrutura, adicionando equipamentos de lazer e renovando o fim de linha do Lobato (TRIBUNA DA BAHIA, 2021). Além disso, a PMS construiu um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) no bairro, na rua Aterro do Joanes, buscando atender aos moradores do Lobato e bairros adjacentes (SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO, 2022). Apesar disso, o bairro ainda é marcado até os dias de hoje pelos problemas sociais inerentes ao Subúrbio, principalmente em relação a segurança pública
Atualmente, o bairro conta com 11 equipamentos de educação e ensino: Centro Municipal de Educação Infantil Angelina Rocha de Assis, Centro Municipal de Educação Infantil Mário Altenfelder, Centro Municipal de Educação Infantil Mundo Feliz, Centro Municipal de Educação Infantil Tereza Helena Mata Pires, Escola Municipal Cônego Orlando Teles, Escola Municipal Coração de Jesus, Escola Municipal Engenheiro Gilberto Pires Marinho, Escola Municipal Maria Constancia Moraes de Carvalho, Escola Municipal Professora Eufrosina Miranda, Escola Municipal Santa Luzia do Lobato e Escola Municipal Tenente Almir. (Secretaria Municipal de Educação de Salvador, 2023)
Além disso, de acordo com o Mapa da Saúde entre os equipamentos de saúde, há a Unidade de Saúde da Família (USF) Joanes Leste, a USF Joanes Centro Oeste e a USF São José de Baixo. Bem como equipamentos de saúde USF Alto do Cabrito, na rua Santa Gertrudes. (DATASUS, 2023)
Vale ainda ressaltar que, de acordo com o Mapeamento dos Terreiros de Candomblé de Salvador, a existência de cerca de 37 terreiros de matriz africana.
1 Português que visitou e habitou o Brasil durante o século XVI. (VERÍSSIMO, 1915)
2 Na época, o bairro da Calçada era o lugar onde a “elite” se estabelecia com residências e prédios comerciais, como lojas, trapiches e armazéns. (NASCIMENTO, 2007)
3 Característica que se refere a um ambiente pastoril, campestre, associado a vida no campo. (AURÉLIO, 2011).
4 Importante destacar que o bairro do Lobato faz parte do Subúrbio Ferroviário e está localizado próximo à Península de Itapagipe.
5 Padrão de construção feito às margens do mar ou fluxos de água, ou diretamente sob a superfície aquática. Consiste em bases de madeira construídas sobre estacas que impedem a estrutura de ser movida pelo fluxo de água. (AURÉLIO, 2011)
6 Processo de escavação, transporte, depósito e compactação de terra para a realização de uma obra. (AURÉLIO, 2011)
7 Nesse momento, o centro tradicional de Salvador perdendo a importância comercial e administrativa, uma vez que o governo do estado começou a promover o crescimento da cidade em seu centro geográfico, através da Avenida Paralela e do Centro Administrativo da Bahia, além de empreendimentos como o Shopping Iguatemi, tornando tal área como uma centralidade da cidade de Salvador. (CARVALHO, 2008)
8 Não há certeza no texto de Régis se os loteamentos são feitos por ação estatal ou privada.
9 O Plano Urbanístico de Alagados foi uma operação de urbanização de favela, oportunidade em que foi feita uma redução do número de palafitas, promovendo-se o aterro e levada a infraestrutura para a população. (CARVALHO, 2002)
REFERÊNCIAS:
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SOBRE O AUTOR E A AUTORA:
*João Paulo Gomes Ferreira Barbosa é graduando em Licenciatura e Bacharelado em Geografia pelo Instituto de Geociências(IGEO) da UFBA, bolsista PIBIC do observaSSA com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifíco e Tecnológico - CNPq.
**Mayara Mychella Sena Araújo é Doutora e Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bacharela em Urbanismo pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Atualmente é Professora Adjunta da Faculdade de Arquitetura da UFBA e coordenadora do observaSSA.