Boca do Rio

De acordo com os dados dos infográficos presentes neste site, em 2010, o bairro de Boca do Rio contava com uma população total de 48.032 habitantes, a maior parte se autodeclarou parda (50,49%) e preta (29,56%), do sexo feminino (53,47%) e se encontrava na faixa etária de 20 a 49 anos (53,85%). No que diz respeito aos domicílios, 3,35% dos responsáveis não eram alfabetizados, e apesar de 34,9% estar na faixa de 1 a 3 salários mínimos, a renda média dos responsáveis por domicílio no bairro era de R$ 1.709,00. Já com relação a infraestrutura ofertada, 99,39% dos domicílios contavam com coleta de lixo, 99,22% com abastecimento de água e 95,73% com esgotamento sanitário.

 

Histórico

Texto de Caio Vinícius Deiró Teixeira da Silva* e Mayara Mychella Sena Araújo**

Publicado em 13 de novembro de 2020

 

O bairro da Boca do Rio, que antigamente era conhecido como Boca do Rio das Pedras, tem esse nome pois é aí que deságua a foz desse rio, e sua origem está ligada a Manoel Inácio, a pescadores e a migração de pessoas que foram expulsas de bairros como Pituba e Ondina (ROCHA, 2002).

Falcão (1994) cita que, de acordo com o historiador Cid Teixeira, no século XIX o terreno onde é a Boca do Rio pertenceu a Manoel Inácio, que posteriormente veio a ser conhecido como o Visconde do Rio Vermelho. Nessas terras, que estavam próximas ao mar, o Visconde explorava a pesca de baleias e a industrialização de seu óleo, sendo nelas também onde o mesmo residia numa casa de dois pavimentos, no local em que se encontrava o antigo Aeroclube, hoje, 2020, o novo Centro de Convenções. Com o decorrer dos anos, as terras foram passadas para a Companhia do Queimado1 e em seguida, já no início do século XX,  acabaram sendo compradas pela Prefeitura Municipal de Salvador (FALCÃO, 1994).

Em meados do século XX, por volta de 1950, o bairro já possuía algumas ocupações, majoritariamente de pescadores, e a primeira sede do Esporte Clube Bahia, localizada nas proximidades do que seria, o então, final de linha do bairro. No entanto, foi a partir da década de 1960, quando o então prefeito Antônio Carlos Magalhães (ACM) ordenou a desocupação da chamada invasão Bico de Ferro2, na Pituba, e uma outra ocupação em Ondina, que esse cenário passou a mudar (FALCÃO, 1994; ROCHA, 2002).

Falcão (1994) conta que ACM tinha interesse naquelas áreas para a possível construção de avenidas, então doou as terras que a prefeitura havia comprado da Companhia do Queimado, para os moradores que foram desabrigados das ocupações anteriormente mencionadas. A possibilidade de doação de terreno pela Prefeitura à moradores de invasões extintas ou que viessem a ser extintas por ela e a servidores municipais estava prevista na Lei Municipal nº 2.222, de 08 de outubro de 1969, em seu artigo primeiro. No entanto, tanto a lei como o motivo da retirada das ocupações, vão ser criticados por Lima (2005), para quem a transferência dos habitantes dessas áreas consideradas ilegais para outras que embora fossem legais também não asseguravam o direito à moradia e a segurança jurídica de sua posse, representava o acirramento das disputas no processo de segregação socioespacial da cidade:

Embora a referida lei assegurasse a doação de lotes urbanos aos moradores expulsos [...]. Essa ação, longe de buscar assegurar aos habitantes da cidade ilegal o direito à moradia e segurança da posse, representava justamente a sua antítese, na medida em que visava a transferência para outros locais mais afastados e menos valorizados da cidade. Sob o ponto de vista prático, a ação teve como foco especial as favelas localizadas na Orla Marítima de Salvador, cujos moradores foram transferidos para um loteamento público implementado no bairro da Boca do Rio, sendo os terrenos antes ocupados destinados à construção de empreendimentos imobiliários, residenciais e turísticos (LIMA, 2005, p. 116).

A autora ainda traz que a Boca do Rio “foi objeto de programas de regularização fundiária3 durante vários anos e gestões (1986, 1990, 1991, 1992, 1996, 1997 e 2001), sem que o processo fosse concluído” (LIMA, 2005, p. 122 - acréscimos nossos).

Embora, a Prefeitura tenha negociado as terras como uma espécie de troca, a migração que ocorreu na década de 1960 não foi feita de forma totalmente acertada pelas duas partes, uma vez que o poder público municipal utilizou a polícia para levar parte dos moradores das antigas ocupações para o novo local. Além disso, as terras para onde os moradores dessas ocupações foram destinados não possuía asfalto, eletricidade, nem saneamento básico e o seu acesso era dificultado. As primeiras casas que foram sendo levantadas no local pelos novos moradores eram majoritariamente de madeira, pau-a-pique e cobertas por lonas, sendo essas, autoconstruções4 (BANDEIRA, 2007; LIMA, 2005; FALCÃO, 1994).

Rocha (2002) conta que, por volta dos anos 1970 o bairro da Boca do Rio passou a ser destino de moradia de alguns jovens artistas e jornalistas da cidade, que foram atraídos pelo Rio das Pedras e de Pituaçu, ainda não poluídos, e pelas praias da região, em especial a que se encontrava próxima a foz do Rio das Pedras e que ficou conhecida como “praia dos artistas”5, nome dado ao local por conta da mesma ser frequentada por nomes como Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Novos Baianos e outros. 

No final dessa década ainda houve a inauguração do antigo Centro de Convenções no STIEP, bairro que se encontra próximo a Boca do Rio e que na época estava no começo de sua expansão. O Centro de Convenções já marcava um direcionamento da expansão de Salvador para o vetor norte atlântico, o que de certo modo foi notado na Boca do Rio haja vista o asfaltamento de ruas do bairro, na primeira gestão do então prefeito Mário de Mello Kertész, entre 1979 e 1981; além da implantação da Avenida Jorge Amado, inaugurada na década de 1980, que facilitou o seu acesso, firmando seu processo de consolidação.

Já no final de 1990 houve a construção do Aeroclube Plaza Show, a beira mar, sendo esse uma espécie de shopping ao ar livre. Sua construção se deu por conta do interesse na criação de um grande centro de diversidade de lazer, entretenimento, cultural e serviços visto que nessa década Salvador começava a se consolidar no cenário nacional, e mais tarde internacional, pela venda da imagem de cidade turística. No Aeroclube estavam localizadas lojas e serviços como restaurantes, cafés, farmácias, agências de turismo, bancos, óticas, joalherias, um complexo cinematográfico, a casa de show “Rock in Rio Café”, o Café Cancun, academias, boliche, mini kart, mini golf, espaço de jogos eletrônicos e outros.

O Aeroclube Plaza Show foi um dos equipamentos construídos na orla da Boca do Rio e junto a ele podem ser destacados os restaurantes Yemanjá, Bargaço, a churrascaria Boi Preto, o Tchê Picanha, Frango do Moura, A Porteira, O Picuí, além de pistas de cooper e quadras de futebol e de tênis.

Atualmente o bairro da Boca do Rio recebeu, no lugar onde era o Aeroclube, que entrou em processo de falência e abandono durante a primeira década dos anos 2000 e boa parte da década de 2010, o novo Centro de Convenções e logo adjacente a ele, o Parque dos Ventos, que conta com pista de skate, pista ciclística, um local destinado à prática de parkour6, um parque infantil, quadra de vôlei, área de piquenique, anfiteatro, sanitários, um pequeno ambulatório, dentre outros. Adicionalmente, na orla da Boca do Rio, desde 2017, ocorre a festa de réveillon de Salvador, com uma série de shows, com a presença de nomes nacionais e internacionais do cenário musical, além de roda gigante, tirolesa, vila gastronômica, feira criativa e afins.

Embora haja, na orla do bairro, grandes construções e interesse turístico, o seu interior ainda apresenta as autoconstruções que foram acontecendo ao longo dos anos e uma infraestrutura precária em relação a bairros como Pituba, Barra, Caminho das Árvores e outros mais voltados à classe média-alta de Salvador. Isso, contudo, não impede a Boca do Rio de apresentar certa diversidade de serviços que atendam aos seus moradores, como farmácias, bares, mercearias, pontos de venda de côco, barbearia, borracharia, dentre outros. Há também uma feira local onde é possível encontrar, de acordo com Sandes (2015), frutas e legumes provindos da agricultura familiar, com preços menores do que os encontrados no mercado. Além da feira, há a praça Dona Julieta que recebeu, em 2019, uma pista de cooper, um parque infantil, mesas de jogos, brinquedos e academia ao ar livre (REDAÇÃO, 2019).

Como pode ser visto através dos links presentes na “aba de links” do site do Observatório de Bairros Salvador, a Boca do Rio conta com nove escolas municipais, sendo estas: o Centro Municipal de Educação Infantil Associação Cristã Feminina; o Centro Municipal de Educação Infantil Castro Alves; o Centro Municipal de Educação Infantil Irmã Sheila; o Centro Municipal de Educação Infantil Joaquim Santos; a Escola Municipal Agnelo de Brito; a Escola Municipal Julieta Calmon; a Escola Municipal Metodista Susana Wesley; a Escola Municipal União Caridade e Abrigo e o Instituto Municipal de Educação Professor José Arapiraca. Para além disso o bairro ainda conta com uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e dois Serviços de Residência Terapêutica (SRT).

 

 

1 Segundo o Guia Geográfico da Cidade do Salvador, a Companhia do Queimado foi fundada em 1852, iniciou suas atividades em 1857 e foi a primeira concessionária de captação, tratamento e distribuição de água do Brasil.

2  Na altura onde hoje, 2020, se encontra o Jardim dos Namorados.

3 Art. 46: “A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (BRASIL,  2009).

4 Sá (2009) traz que a autoconstrução é o “processo no qual os próprios habitantes assumem diretamente a gestão da produção de suas moradias [...] localizadas principalmente nos assentamentos urbanos populares”.

5 Apesar de a localização exata dessa praia não ter sido encontra, estima-se, através de buscas realizadas usando o Google Maps, que ela estaria próxima à Praia de Armação.

6 O parkour tem como objetivo fazer o indivíduo se deslocar de um ponto a outro de modo rápido e direto, utilizando manobras como saltos e escaladas para ultrapassar obstáculos como muros, barras de ferro e outros objetos do cenário urbano, sem a utilização de nenhum equipamento além do próprio corpo (PALLADINO, 2018).

 

 

REFERÊNCIAS:

 

BANDEIRA, Cláudio. Uma cidade dentro da cidade. A Tarde. 2007, Caderno 1, p.13. Disponível em: <http://www.culturatododia.salvador.ba.gov.br/doc-polo/cidadedentrocidade.pdf> Acesso em: 04 nov. 2020.

BRASIL. Lei Federal nº 11.977, de 07 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Disponível em: <https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/817925/lei-11977-09#art-46>. Acesso em: 04 nov. 2020

FALCÃO, Hilcélia. A margem da Boca do Rio. Bahia hoje, 21 abr. 1994, p. 1. Disponível em:<http://www.culturatododia.salvador.ba.gov.br/doc-polo/amargemdabocadorio.pdf>. Acesso em: 28 set. 2020.

Guia Geográfico Cidade do Salvador. Parque Fonte do Queimado. Disponível em: <http://www.cidade-salvador.com/patrimonios/queimado.htm> Acesso em: 04 nov. 2020.

LIMA, Adriana Nogueira Vieira. A (in)segurança da posse: regularização fundiária em salvador e os instrumentos do estatuto da cidade. 2005. 170 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/12080/1/a%20inseguran%C3%A7a%20da%20posse.pdf> Acesso em: 28 set. 2020.

PALLADINO, Viviane. O que é parkour. 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/historia/o-que-e-parkour/.> Acesso em: 04 nov. 2020.

REDAÇÃO. Prefeitura de Salvador requalifica e entrega espaço de lazer na Boca do Rio. 2019. Disponível em: <https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/prefeitura-de-salvador-requalifica-e-entrega-espaco-de-lazer-na-boca-do-rio/>. Acesso em: 14 out. 2020.

ROCHA, Nikas. Boca do Rio nasceu de colônia de pesca. A Tarde, 14 set. 2002,p. 3.Disponível em: <http://www.culturatododia.salvador.ba.gov.br/doc-polo/bocadorionasceu.pdf>. Acesso em: 28 set. 2020

SÁ, Werther Lima Ferraz de. Auto construção na cidade informal: relações com a política habitacional e formas de financiamento. 2009. 169 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009. Disponível em:<https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/2879/1/arquivo154_1.pdf.>  Acesso em: 28 set. 2020.

SALVADOR. Lei Municipal nº 2.222, de 08 de outubro de 1969. Autoriza o Poder Executivo a doar lotes de terreno e dá outras providências. Gabinete da Prefeitura Municipal da Cidade do Salvador. Salvador, BA, 08 de out. 1969.

SANDES, Jessica. Tradição das feiras livres resiste na capital. 2015. Disponível em: <https://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1696204-tradicao-das-feiras-livres-resiste-na-capital>. Acesso em: 14 out. 2020.

 

 

SOBRE O AUTOR E AUTORA:

*Caio Vinícius Deiró Teixeira da Silva é bacharel em Ciência e Tecnologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura da UFBA, voluntário do observaSSA.

**Mayara Mychella Sena Araújo é Doutora e Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bacharela em Urbanismo pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Atualmente é Professora Adjunta da Faculdade de Arquitetura da UFBA e coordenadora do observaSSA.

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